sexta-feira, 14 de novembro de 2008

C - Manuel de Souza, o compadre e o cigano Anísio



Pra Manuel de Souza, que não sabia de Maquiavel.

No tempo em que o Riacho ainda tinha Água Nova, o exercício sem pudores de desdentar, medicar e distribuir "favores" nutria os redutos eleitorais.

Charlatão - dentista e médico - de primeira hora, sedutor por natureza e político por oportunidade, Manuel de Souza tinha na Água Nova o seu curral perfeito. Tanto, que foi decisiva sua participação para torná-lo o primeiro Prefeito eleito de Riacho de Santana.

Em noites insones, consumindo fumo e álcool em excesso nas bancas de pife-pafe, Manuel de Souza gabava-se de suas conquistas amorosas. Parecia obsessão.

Algumas de suas "conquistas" beiram o imaginário.

Contava que na Água Nova havia um casal alimentando dois sonhos. O segundo, tê-lo como compadre, parecia impossível, pois o primeiro dependia da prenhez da mulher, aparentemente estéril.

Aproveitando-se da situação, com a ajuda de um amigo e chefe político local, engendrou um meio de deitar com a designada comadre.

Não foi difícil convencer o compadre de persuadir a comadre a submeter-se a um tratamento. Qual homem não lutaria para embuchar sua mulher? Ademais, pros quintos os mexericos sobre o seu vigor em face da infecundidade da comadre.

Compadres convencidos, tratamento prescrito: à boquinha da noite, ingerir uma meizinha, verdadeira mandrágora, obtida na capital graças ao seu mentor político Dr. Zé Fernandes.

Passo seguinte: recolher-se em um quarto escuro e, passado da meia-noite, casalar. Na primeira não frutificava. A partir de então, como testemunhara em mais de dúzia de vezes, era tiro e queda.

Um senão: o homem que deitasse com a mulher logo em seguida ficaria maninho.

Mesmo por tão nobre causa, qual homem se sacrificaria?

Depois de horas de discussão, pimba!

- Por que não um cigano? Quando vinha, ví um bando deles arranchado no Carnaubal.

- E o cigano vai topar?

- Com dinheiro e um bom papo, compadre...

Alegações pra cá, argumentos pra lá, a comadre anuiu.

Ainda naquela noite, bastava que Manuel de Souza convencesse o cigano, consumar-se-ia o tratamento. Para não se constranger, o compadre ficaria de fora.

Compadres pra casa, Manuel de Souza pro Carnaubal.

Antes das quatro, Manuel de Souza passou na casa dos compadres e confirmou a consignação da vítima.

- Foi fácil. Alguns trocados e ainda obtive a garantia de cedinho o bando ir embora. O nome dele é Anísio.

- Não preciso saber o nome do infeliz.

Nesse ponto, a ajuda providencial do amigo e chefe político local. Sem saber o porquê, foi incumbido de passar a noite em Pau dos Ferros no puteiro de Celsa em companhia do compadre e à custa do erário.

Meia-noite, enquanto Água Nova dormia, Manuel de Souza, travestido de cigano, adentrou à casa da comadre. Se pelos fundos ou pela frente, não há registro.

Já se se encostava as sete do dia seguinte quando, sereno, com o hálito seco e mal cheiroso dos ressacados, o compadre, acabado de chegar, observava a procissão de ciganos que passava.

De inoportuno? Uma irritante coceira em sua fronte.