sábado, 1 de novembro de 2008
C - Conforto às costas.
Pra Rachel, de O Quinze, pelo gosto da leitura que me proporcionou.
As pernas inclinadas dos bancos garantem estabilidade ao assento e desconforto às costas.
- Por que não inclinam só as pernas do lado contrário à parede?
- Não sabes de Santinha? Quem já foi ao Canindé conhece essa história.
Órfã de mãe, Santa, já se fazendo mocinha, vivia com seu pai numa garra de terra em Castro, umas oito léguas antes de chegar ao Canindé.
Pra tentar a sorte no Maranhão, seu pai vendeu o que restava do que a seca de quinze ainda não destruíra.
De véspera, para ultimar providências, seu pai foi ao Canindé. Por cuidado, enterrou o dinheiro do apurado. Pra não deixá-la sozinha, mandou Santinha dormir em casa de um vizinho a menos de meia légua.
Água pras galinhas, ração pro jumento, uma varrida na casa e um arrumado a mais, quando se deu, o sol fenecera. O que mais dá medo? Dormir sozinha ou pegar a estrada escura? Ficou!
Portas fechadas, lamparina no caritó, reza pra adormecer. Dormiu!
Tinido de ferrolho pelo chão. Acordou!
Como um raio, quase deu com a lamparina na cara de um homem.
- Baixe essa luz, diabo!
Não dava mais. Era o vizinho que te daria abrigo. Tomou-a pelos braços, amarrou suas mãos com seu próprio lençol e a jogou de volta pra rede.
- Olha aqui mocinha! Eu só queria o dinheiro. Por que desobedeceste ao teu pai?
Sem relutar, apavorada, Santinha o levou até a cova do apurado.
Dinheiro na mão, o vizinho foi até a sala, pegou um relho pendendo dum torno e voltou para o quarto de Santinha.
- Vou ter que matá-la!
Esvaziou o banco colado à parede, colocando-o no meio do quarto.
Pra colar na parede, o banco fora feito com as pernas inclinadas apenas de um lado: conforto às costas e instabilidade ao assento.
Trepado no banco, prendeu o relho a um brabo e ajeitou um laço. Por via das dúvidas, o experimentou em sua própria cabeça.
Pés em falso, desequilíbrio do banco, falta de chão. Forca!
Tétrica, com o corpo paralisado, Santinha esperou seu pai. Pela luz que nascia, um corpo pendurado com a língua de fora. Medo maior.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário