....e uma de um estrangeiro.
Para o Juiz de Pontevedra, que não me deixa mentir.
PREVENÇÃO DE ACIDENTES
Absorto, Expedito, escorado com o ombro na parede, olhava pra aquele pedaço de pau fincado na fachada de sua venda.
Com a freguesia aumentando, acabara de contratar a repintara de sua mercearia. Pensava até em abrir um letreiro com os dizeres MERCEARIA QUINTAS. Logo abaixo, para identificar seu dono, complementaria: UMA ORGANIZAÇÃO EXPEDITO FERNANDES.
Quem diabos enfiara aquela travessa de madeira de quase meio metro de cumprimento a mais de três de altura? E pra que aqueles duas rodinha de louça fincada na travessa?
Paulo Cajé, morador de frente, e observador-mor da rua, lendo, nas rugas da testa, as angustias do vizinho, falou:
- É de antes da chegada de Paulo Afonso. Os fios corriam por esses paus.
Expedito nem respondeu. Sem fechar a venda saiu apressado para minutos depois voltar com uma escada no ombro e um serrote na mão.
Com o cuidado necessário, escorou a escada no barrote de madeira e subiu os três primeiros degraus. Para prevenir-se, com uns balanços de corpo forçou bastante pra ver se o conjunto suportava seu peso. Confiante, galgou os dezesseis degraus restantes e necessários para alcançar o conjunto travessa-isoladores que no passado funcionara como equipamento de distribuição de energia.
Lá em cima, segurando com a mão esquerda a ponta do travessão, com a mão direita serrou lentamente o barrote de miolo de pau d’arco até que este, não suportando o esforço do peso do serrador incidental, partiu-se fazendo voar de quase quatro metros de altura, barrote, escada, serrote, isolador de porcelana e Expedito.
Paulo Cajé, observador-mor daquele pedaço de rua, não observou, socorreu.
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DESVIO DE SEPTO
Refeito do imprevisto vôo - no episódio em que serrou uma travessa de madeira que servia de escora da escada em que havia trepado - mercearia com pintura nova, freguesia crescente e inverno pegado, a preocupação atual de Expedito voltava-se exclusivamente para as lagartas que teimavam em destruir a plantação de milho feita no quintal de sua casa.
Galego de Cosma, seu vizinho, deu a receita: - pulverize as plantas mirando o miolo daquele enrolado de folhas que se forma pra sair o pendão.
Pra não tardar o tratamento, o mesmo vizinho emprestou o remédio: um tubinho, parecendo os vidrinhos de injeção, contendo veneno em dose concentrada que deveria ser diluída antes da aplicação.
Expedito escutava atento às lições do amigo enquanto aspirava um descongestionante nasal que sempre usava para suportar uma renite crônica causada por um desvio de septo. Chovesse ou fizesse sol o tubinho de remédio não faltava no bolso detrás de sua calça. Foi não veio, uma gotinha em cada buraco do nariz, seguido de duas fungadinhas pra absorver o medicamento, e estava pronto pra outra.
De posse da máquina de pulverizar, diluído parte do veneno, guardado no atajé, onde sempre guardava suas quinquilharias, o que sobrou de veneno do tubinho que mais parecia um vidrinho de injeção, lá se foi Expedito dá cabo de sua indesejada criação de lagartas.
Como o vizinho ensinara, aplicava o veneno na parte mais alta do pé de milho, na saída do pendão. A cada carreira percorrida, aspergia umas gotinhas do descongestionante nasal, duas fungadinha e ia em frente. Mais uma carreira de plantação, mais umas gotinhas nas narinas, duas fungadinhas...
Lá pras tantas, Expedito ao terminar mais uma carreira de milho, pegou o tubinho de remédio no bolso da bunda, onde sempre portava, aspergiu umas gotinhas no pé de milho, mirou o chuveirinho da mangueira pra suas ventas e, com a mão esquerda, bombeou forte a máquina de veneno.
Não houve tempo pras duas fungadinhas antes do desmaio.
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RÁDIO E CÚBITO
Desintoxicado do veneno acidentalmente inoculado, tendo que agüentar as latumias da mulher no pé do ouvido por suas desastradas incursões, Expedito dedicava todas as suas horas a dura rotina do ir e vir de casa pra mercearia, da mercearia pra casa.
A monotonia foi quebrada pela notícia da pouca saúde de um bezerro de sua não tão próspera criação.
Consultado um veterinário a medicação foi prescrita: três injeções em dias seguidos pra espantar o mal que afligia o pequeno garrote. A primeira delas foi aplicada pelo próprio veterinário que, prestativo, ofereceu-se pra administrar o remédio nos outros dias.
- Não precisa, sei aplicar as injeções. Não será essa a primeira vez – ponderou Expedito.
Em casa, obedecendo às instruções do veterinário, guardou em local ventilado e iluminado, os dois vidrinhos de injeção que, como não poderia deixar de ser, pareciam com vidrinhos de injeção.
Na manhã seguinte, logo cedinho, Expedito Fernandes pegou em seu atajé, onde sempre guardava suas quinquilharias, a seringa de aplicar injeção em gado, um dos vidrinhos deixados pelo veterinário e foi até curral administrar no bezerro doente a dose recomendada.
Não era nem onze horas quando seu filho chegou à porta da mercearia e noticiou:
- Pai, o garrote morreu.
- Como morreu? Tomou duas injeções e mesmo assim morreu?
- Só tomou uma, pai. Os dois vidrinhos de injeção que o veterinário deixou e que parecem com aquele tubinho de veneno que Galego de Cosma lhe deu, ainda tão lá no atajé.
Emocionalmente descontrolado, Expedito Fernandes esmurrou o balcão com tanta força que resultou em dupla fratura no seu antebraço direito - rádio e cúbito.
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QUE SE FAÇA JUSTIÇA.
O Juiz da 1ª Vara Cívil de Pontevedra, capital da província de mesmo nome na Espanha, recebeu da parte autora as explicações à um pedido de informações adicionais feito pela demandada - uma companhia seguradora - que, em contestação numa ação indenizatória, questionou a natureza das lesões sofridas e declaradas em Juízo por aquele.
Veja-se:
Excelentíssimos Senhores.
Em resposta ao seu pedido de informações adicionais declaro:
No item n° 1, sobre minha participação nos acontecimentos, mencionei: "tentando executar a tarefa e sem ajuda" como a causa de meu acidente.
Pedem-me em sua carta que dê uma explicação mais detalhada, por isso espero que o que segue esclareça de uma vez por todas suas dúvidas.
Sou pedreiro há dez anos. No dia do acidente estava trabalhando, sem ajuda, colocando tijolos em uma parede do sexto andar do edifício em construção nesta cidade.
Finalizadas as minhas tarefas, verifiquei que haviam sobrado aproximadamente 250 quilogramas de tijolos. Em vez de carregá-los até a planta baixa com as mãos, decidi colocá-los num barril, e baixá-los com ajuda de uma roldana que felizmente se achava fixada a uma viga no teto do sexto andar.
Desci até o térreo e atei o barril com uma corda e com ajuda da roldana icei-o até o sexto andar, e em seguida amarrei a corda a uma das colunas do edifício.
Subi então até o sexto andar e coloquei os tijolos no barril.
Voltei ao térreo, desatei a corda e a agarrei com força, de modo que os 250 quilogramas de tijolos baixassem suavemente (devo indicar que no primeiro item da minha declaração à polícia, indiquei que meu peso corporal era de oitenta quilogramas).
De repente, os meus pés saíram do chão, e comecei a subir rapidamente arrastado pela corda. Devido ao susto que levei, perdi minha presença de espírito e irrefletidamente me aferrei mais ainda a corda, enquanto subia a grande velocidade. Nas proximidades do terceiro andar encontrei com o barril que baixava a uma velocidade próxima a da minha subida, e foi impossível evitar o choque.
Acredito que ali se produziu a fratura de crânio.
Continuei subindo até que os meus dedos se engancharam dentro da roldana, o que provocou a interrupção da minha subida, e também as múltiplas fraturas dos dedos e do pulso.
A esta altura (dos acontecimentos) já tinha recuperado minha presença de espírito, e apesar das dores continuei agarrado na corda. Foi nesse instante que o barril se chocou contra o chão, o fundo do mesmo se partiu e todos os tijolos se esparramaram. Sem a carga, o barril pesava aproximadamente 25 quilogramas. Devido a um princípio físico muito simples comecei a descer rapidamente para o térreo.
Aproximadamente ao passar pelo terceiro andar encontrei com o barril vazio subindo, tenho quase certeza de que, no choque que sobreveio, produziram-se as fraturas dos tornozelos e do nariz. Este choque felizmente diminuiu a velocidade da minha queda de maneira que, quando aterrissei em cima da montanha de tijolos, só quebrei três vértebras.
Lamento, entretanto, informar que quando me encontrava deitado em cima dos tijolos com dores insuportáveis e sem poder me mover, e vendo em cima de mim o barril, perdi novamente minha presença de espírito e soltei a corda. Devido a que o barril pesava mais do que a corda, desceu rapidamente e caiu em cima das minhas pernas quebrando as duas tíbias.
Esperando ter esclarecido definitivamente as causas e o desenvolvimento dos acontecimentos me despeço atentamente.
No item n° 1, sobre minha participação nos acontecimentos, mencionei: "tentando executar a tarefa e sem ajuda" como a causa de meu acidente.
Pedem-me em sua carta que dê uma explicação mais detalhada, por isso espero que o que segue esclareça de uma vez por todas suas dúvidas.
Sou pedreiro há dez anos. No dia do acidente estava trabalhando, sem ajuda, colocando tijolos em uma parede do sexto andar do edifício em construção nesta cidade.
Finalizadas as minhas tarefas, verifiquei que haviam sobrado aproximadamente 250 quilogramas de tijolos. Em vez de carregá-los até a planta baixa com as mãos, decidi colocá-los num barril, e baixá-los com ajuda de uma roldana que felizmente se achava fixada a uma viga no teto do sexto andar.
Desci até o térreo e atei o barril com uma corda e com ajuda da roldana icei-o até o sexto andar, e em seguida amarrei a corda a uma das colunas do edifício.
Subi então até o sexto andar e coloquei os tijolos no barril.
Voltei ao térreo, desatei a corda e a agarrei com força, de modo que os 250 quilogramas de tijolos baixassem suavemente (devo indicar que no primeiro item da minha declaração à polícia, indiquei que meu peso corporal era de oitenta quilogramas).
De repente, os meus pés saíram do chão, e comecei a subir rapidamente arrastado pela corda. Devido ao susto que levei, perdi minha presença de espírito e irrefletidamente me aferrei mais ainda a corda, enquanto subia a grande velocidade. Nas proximidades do terceiro andar encontrei com o barril que baixava a uma velocidade próxima a da minha subida, e foi impossível evitar o choque.
Acredito que ali se produziu a fratura de crânio.
Continuei subindo até que os meus dedos se engancharam dentro da roldana, o que provocou a interrupção da minha subida, e também as múltiplas fraturas dos dedos e do pulso.
A esta altura (dos acontecimentos) já tinha recuperado minha presença de espírito, e apesar das dores continuei agarrado na corda. Foi nesse instante que o barril se chocou contra o chão, o fundo do mesmo se partiu e todos os tijolos se esparramaram. Sem a carga, o barril pesava aproximadamente 25 quilogramas. Devido a um princípio físico muito simples comecei a descer rapidamente para o térreo.
Aproximadamente ao passar pelo terceiro andar encontrei com o barril vazio subindo, tenho quase certeza de que, no choque que sobreveio, produziram-se as fraturas dos tornozelos e do nariz. Este choque felizmente diminuiu a velocidade da minha queda de maneira que, quando aterrissei em cima da montanha de tijolos, só quebrei três vértebras.
Lamento, entretanto, informar que quando me encontrava deitado em cima dos tijolos com dores insuportáveis e sem poder me mover, e vendo em cima de mim o barril, perdi novamente minha presença de espírito e soltei a corda. Devido a que o barril pesava mais do que a corda, desceu rapidamente e caiu em cima das minhas pernas quebrando as duas tíbias.
Esperando ter esclarecido definitivamente as causas e o desenvolvimento dos acontecimentos me despeço atentamente.
Espero que se faça Justiça.
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