Pau dos Ferros, novembro de 1873.
Meu caro Bento Tremelique
Só agora consegui o seu endereço, graças a uma terceira pessoa conhecedora das correspondências entre você e o Pe. Zé Paulino.
Olha, já se passaram mais de dez anos desde aqueles acontecimentos desagradáveis entre você e os Rêgos[1] e neste ínterim, muita coisa mudou e muito aconteceu nesta, agora Vila, Pau dos Ferros de meu Deus. Ou não será dos Fernandes? Quiçá, dos Rêgos? Pois nesta seara, meu bom Tremelique, não mudou nada. Desde a emancipação de Portalegre, em 1856, amparados pelas facções Conservadores e Liberais, eles se alternam no mando.
Uma vergonha, meu caro Tremelique. Vou te expor à vagar.
Primeiro, em 1864 a Câmara foi multada pelo Presidente da Província por não promover as sessões legislativas. A única alegação oferecida pela casa foi a de que seu presidente, Manuel Pereira Leite, encontrava-se foragido da Polícia.
Já no ano passado, nas eleições para Câmara, o caldo esquentou.
Marcada para o primeiro domingo de outubro, se passaram quinze dias sem que nenhum voto fosse tomado.
Não por falta de eleitores, mas porque os Rêgos e os Fernandes não chegavam a um acordo sobre onde instalar a Junta de votação.
Na falta de ajuste, os Rêgos se puseram na dianteira e montaram uma Junta na Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Logo no início, os Fernandes protestaram de irregularidades da mesa. E com razão: o Presidente era apenas 3º Juiz de Paz, e os outros membros, Florêncio do Rego Leite, seu desafeto, e Vicente José de Queiroz não estavam qualificados como eleitores.
A discussão descambou em rixa.
Dentro da Junta Paroquial a maior pancadaria, do lado de fora, na lateral da Igreja, os opositores se enfrentaram às pedradas. Os prejuízos à padroeira, dentro e fora da Matriz, foram imensos.
Sobrados vários feridos, acalmado um pouco, os Rêgos, montaram um cerco armado à Igreja Matriz, só deixando entrar os seus eleitores.
Inconformados, os Fernandes montaram uma outra Junta de votação na Casa da Câmara sobre a presidência do 1º Juiz de Paz, Childerico José Fernandes. Já os Regos, foram terminar a eleição à noite, no Sítio Logradouro, onde, se diz à língua solta, que utilizaram um chapéu como urna.
Em 16 de novembro, a Câmara apreciou o resultado das duas juntas e em sessão presidida pelo Dr. Hemetério Raposo de Melo, por unanimidade de votos, reconheceu a eleição realizada na Casa da Câmara e anulou a eleição realizada na Junta Paroquial.
Em seguida foram diplomados os Vereadores, Ten. Cel Epifânio José de Queiroz, Alferes José Alexandre da Costa Nunes, Manoel Francisco do Nascimento Souza, Manoel Queiroz de Oliveira e Pedro Lopes Cardoso.
Mas não se engane que as coisas morreriam aí.
Os Rêgos recorreram à instância superior e, em 21 de dezembro, o Presidente da Província, por fundamentos não conhecidos, anulou a eleição da Casa da Câmara e deu validade a ocorrida na Igreja Matriz.
Com a mudança, tornaram-se novos Vereadores, Galdino Procópio do Rêgo, João Bernardino da Costa Maya, Noberto do Rêgo Leite, Florêncio do Rêgo Leite (que você conhece muito bem e que nem qualificado como eleitor estava) e João Afonso Batalha.
Apesar do controverso, as coisas continuaram desse jeito até recentemente, quando em 27 de outubro próximo passado, por aviso, o Governo Imperial reconheceu a eleição promovida pela Junta Paroquial.
Bom, meu caro Tremelique, resta-nos esperar que um dia esse país mude, quem sabe se instale uma República e fatos lamentáveis como esses não se repitam.
Mais ainda, que a lateral da Igreja de Nossa Senhora da Conceição não sirva para que eleitores apaixonados se digladiem e, caso se encontrem naquele local quase santo, que batalhem apenas com bandeiras e não como na eleição das pedras.
Do amigo fraterno.
Zé das Cangalhas.
.........................................................................................Na falta de ajuste, os Rêgos se puseram na dianteira e montaram uma Junta na Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Logo no início, os Fernandes protestaram de irregularidades da mesa. E com razão: o Presidente era apenas 3º Juiz de Paz, e os outros membros, Florêncio do Rego Leite, seu desafeto, e Vicente José de Queiroz não estavam qualificados como eleitores.
A discussão descambou em rixa.
Dentro da Junta Paroquial a maior pancadaria, do lado de fora, na lateral da Igreja, os opositores se enfrentaram às pedradas. Os prejuízos à padroeira, dentro e fora da Matriz, foram imensos.
Sobrados vários feridos, acalmado um pouco, os Rêgos, montaram um cerco armado à Igreja Matriz, só deixando entrar os seus eleitores.
Inconformados, os Fernandes montaram uma outra Junta de votação na Casa da Câmara sobre a presidência do 1º Juiz de Paz, Childerico José Fernandes. Já os Regos, foram terminar a eleição à noite, no Sítio Logradouro, onde, se diz à língua solta, que utilizaram um chapéu como urna.
Em 16 de novembro, a Câmara apreciou o resultado das duas juntas e em sessão presidida pelo Dr. Hemetério Raposo de Melo, por unanimidade de votos, reconheceu a eleição realizada na Casa da Câmara e anulou a eleição realizada na Junta Paroquial.
Em seguida foram diplomados os Vereadores, Ten. Cel Epifânio José de Queiroz, Alferes José Alexandre da Costa Nunes, Manoel Francisco do Nascimento Souza, Manoel Queiroz de Oliveira e Pedro Lopes Cardoso.
Mas não se engane que as coisas morreriam aí.
Os Rêgos recorreram à instância superior e, em 21 de dezembro, o Presidente da Província, por fundamentos não conhecidos, anulou a eleição da Casa da Câmara e deu validade a ocorrida na Igreja Matriz.
Com a mudança, tornaram-se novos Vereadores, Galdino Procópio do Rêgo, João Bernardino da Costa Maya, Noberto do Rêgo Leite, Florêncio do Rêgo Leite (que você conhece muito bem e que nem qualificado como eleitor estava) e João Afonso Batalha.
Apesar do controverso, as coisas continuaram desse jeito até recentemente, quando em 27 de outubro próximo passado, por aviso, o Governo Imperial reconheceu a eleição promovida pela Junta Paroquial.
Bom, meu caro Tremelique, resta-nos esperar que um dia esse país mude, quem sabe se instale uma República e fatos lamentáveis como esses não se repitam.
Mais ainda, que a lateral da Igreja de Nossa Senhora da Conceição não sirva para que eleitores apaixonados se digladiem e, caso se encontrem naquele local quase santo, que batalhem apenas com bandeiras e não como na eleição das pedras.
Do amigo fraterno.
Zé das Cangalhas.
[1] Pra saber dos acontecimentos, leia “O tresloucado amor de Bento Tremelique”.
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